MEC garante que o ensino obrigatório continuará gratuito

05/12/2012 12:56

 

Depois de o primeiro-ministro ter admitido uma maior comparticipação financeira dos cidadãos no sistema de ensino, o Ministério da Educação e Ciência assegura que a escolaridade obrigatória continuará gratuita. Mesmo assim, a possibilidade de taxar o ensino secundário não para de provocar reações.

A entrevista do primeiro-ministro à TVI não caiu bem em vários quadrantes da sociedade, da educação à política. Passos Coelho abriu portas a uma maior participação financeira dos cidadãos no sistema de ensino. A aplicação de propinas no ensino secundário não tardou a ser colocada como uma possibilidade e as críticas dispararam de muitas direções. Um dia depois das declarações do primeiro-ministro, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) vem a público garantir que a escolaridade obrigatória gratuita não está em causa. De qualquer forma, vários partidos já exigiram a presença do ministro da Educação, Nuno Crato, no Parlamento, para que explique concretamente o que se passa.

Entretanto, o secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar, João Casanova, afirmou que ainda é cedo para discutir o fim da gratuidade no ensino secundário. "É precoce falarmos do que quer que seja com dados e estudos, ou seja, com tudo aquilo que é feito pelo MEC para tomar qualquer iniciativa. É cedo para discutir essa matéria", referiu à Lusa. "Estamos a avaliar o sistema educativo e a intervir desde que tomámos posse e, a seu tempo, cada uma das decisões será comunicada. Temos olhado para sistema educativo e procurado rentabilizar o que pode ser rentabilizado, que é o que continuaremos a fazer", acrescentou.

A Constituição portuguesa é clara e diz que compete ao Estado assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito. A escolaridade obrigatória de 12 anos era uma intenção de sucessivos governos e que entretanto passou da teoria à prática. Ora, incluindo-se o nível secundário como obrigatório pressupõe-se a sua gratuidade. É o próprio MEC que esclarece as dúvidas no seu site. "Estão abrangidos pela nova lei de escolaridade obrigatória os alunos que se matriculem no ano letivo de 2009/2010 em qualquer ano do 1.º e 2.º ciclos ou no 7.º ano de escolaridade".

A Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP) diz com todas as letras que o Governo não tem qualquer legitimidade para alterar o modelo público de educação e que, se o fizer, será então "uma revisão constitucional encapotada". "O primeiro-ministro não pode esquecer que os pais colocam dinheiro na educação", diz à Lusa Albino Almeida, presidente da CONFAP. A Confederação vai mais longe e defende eleições antecipadas caso se avance para uma alteração tão profunda que, em seu entender, não pode ser feita sem que os portugueses se pronunciem, uma vez que essa mudança não fazia parte do programa do Governo eleito nas últimas eleições.

A Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE) está surpreendida com as declarações do primeiro-ministro, teme que o Estado Social tenha os dias contados e não percebe qual o caminho que o Governo quer seguir. "Por um lado, tentam colmatar a fome nas escolas e depois cobram?", pergunta Isabel Gregório, da CNIPE. "Ainda gostaria de perceber o que o Governo quer fazer com os nossos filhos. Quando desinvestimos na educação, estamos a hipotecar as gerações futuras. Um povo sem educação, sem cultura, é um povo alienado, quase como animais irracionais".

Depois de o ex-ministro da Educação Júlio Pedrosa se ter pronunciado contra a eventual aplicação de propinas no ensino secundário, a ex-secretária de Estado da Educação Ana Benavente classificou de "crime" a aplicação de mais taxas às famílias. "Era um imperativo da democracia ocidental e europeia em que vivemos e agora, pela mão deste primeiro-ministro, comete-se um crime que é querer que a escola pública seja paga, quando ainda estamos a viver a primeira geração dos jovens para quem o ensino secundário é obrigatório", comentou em declarações à Lusa.

O PS quer Nuno Crato na Assembleia da República para explicar um eventual regime de copagamentos em níveis de ensino até agora gratuitos. A audição parlamentar foi pedida com carácter de urgência. Para os socialistas, o assunto merece um profundo debate quer político, quer social. O PCP também já pediu a presença de Nuno Crato no Parlamento porque quer conhecer as verdadeiras intenções do Governo, sobretudo numa altura em que há cada vez mais crianças identificadas com fome nas escolas e mais pais com dificuldades para suportar as despesas com a Educação. Os comunistas não duvidam que Passos Coelho se referiu, na entrevista, à introdução de propinas na escolaridade obrigatória.

BE e PS estão em sintonia e sublinham que o Governo não tem poder para introduzir pagamentos na escolaridade obrigatória, sob o risco de violar o que está escrito na Constituição. O BE considera que Passos Coelho não tem condições para continuar como primeiro-ministro. O PS, por seu turno, faz as contas e garante que o Estado não tem mandato para "cortar mais na educação". A JS junta-se ao rol de críticas e acusa o Governo de "deitar a toalha ao chão" ao ponderar introduzir propinas no Secundário. "A JS encara com perplexidade os planos do atual Governo, no sentido de criar propinas para a frequência dos ensinos Básico e Secundário. Para a JS, a discussão em torno da reforma das funções sociais do Estado não é sincera". "O Orçamento do Estado para 2013 é um documento que desiste do país. Assistimos a uma governação que despreza os jovens e as suas legítimas aspirações emancipatórias", diz João Torres, presidente da JS.

Entretanto, a deputada social-democrata Francisca Almeida acusou, no Parlamento, o BE de não ter apresentado propostas alternativas. A deputada bloquista Ana Drago não ficou calada e acusou a parlamentar do PSD de "estar a mentir", lembrando que o BE apresentou propostas no âmbito do Orçamento do Estado e aproveitando a ocasião para sustentar que o Governo tem "subvertido o mandato" para o qual foi eleito. O ex-deputado do PSD, José Pacheco Pereira, também tem uma opinião sobre o assunto e acha que não é compatível manter o ensino obrigatório e cobrar propinas. "Não percebo como é possível, quer em termos constitucionais quer em termos reais, ao mesmo tempo tornar obrigatório o ensino secundário e instituir um pagamento", referiu à Lusa. "Não sei se ele [Passos Coelho] se expressou mal, se não era isso que queria dizer ou se era isso que queria dizer e não estudou bem o assunto", acrescentou.

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